quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Ele acordou com esse número na cabeça: 1385. Sabia que iria ou que deveria fazer sentido. Sabia que os sonhos não são entidades destituídas de conexão com a vida de vigília.
Na verdade a grande questão, para ele, era saber se os sonhos possuem algo de uma ligação com o divino, um plano sobrenatural, uma dimensão que superpõe a matéria. Isso, sim, é que era o centro da coisa.
- A ciência, e todo o determinismo que ela trouxe, acabou engessando o pensamento, na medida em que aboliu grande parte das surpresas, nos legando um mundo previsível e monótono - ele, quando bêbado, fala como se estivesse lendo de um livro.
Seus discursos são uma obra barata, destinada a pseudofilosofar sobre a existência, quando de fato seu autor não dá a mínima para nada e não consegue se resolver sobre o grande dilema da humanidade: o "to be or not to be" shakesperiano. Porque aí, sim, o gênio inglês percutiu o ponto nevrálgico daquilo que importa. É clichê fazer essa referência, mas é que realmente é uma citação absolutamente abissal!

  

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Meu sangue negro que tento escoar na página em branco.

Às sete o despertador do celular toca pela primeira vez. Depois, mais uma vez, às sete e vinte. Quando está chovendo se torna bem difícil levantar. Sem chuva também. O automatismo diário, acionar o software interno que me conduz às atividades laborais me parece uma tarefa deveras penosa, que engulo como quem engole um prato de tripas putrefatas cruas. Ou melhor: como na infância, quando a mãe diz que é para o seu bem tragar aquele suco de beterraba com cenoura ou comer aquela porção de fígado que você meticulosamente separou no canto do prato na esperança de que se desmaterializasse.
Mas a gente se conforma, todo dia. E levanta, toma banho, escova os dentes, gira a chave do carro e cai no mundo. Sabendo que está exposto a todo tipo de desgosto, a toda sorte de pancada, a uma fatal encruzilhada que poderá, enfim, nos arrebatar para o além. O fio da vida é quase imaterial, de tão fino, se parte sem o menor aviso.
Chego ao trabalho religiosamente às oito. A impontualidade é um dos poucos defeitos que não fazem parte da minha personalidade. Apesar de o caos reinar em grande parte das minhas tarefas, considero a pontualidade uma virtude que deve ser cultivada com zelo: mostra respeito com os outros, na medida em que exprime uma relação de confiança com eles. Sou um tanto bagunçado apenas comigo, porque aí só estou prejudicando a mim mesmo (quando de fato há algum prejuízo).
(----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------) E, olha, eu nem gosto de viajar exatamente, quero dizer, eu não gosto do processo, do aeroporto, das algazarras, das pessoas sem rosto, das vozes mecanicamente fabricadas; mas a verdade é que, creio, ninguém gosta, exceto (como há gente pra tudo nesse planeta) os masoquistas do turbulento convívio social. Anseio mesmo é pelo novo horizonte e pelo que vem com ele, aquela esperança – ainda que ilusória – de que a vida mudou; ilusória porque, como li num lugar certa vez (mais ou menos assim), “não se pode fugir de si mesmo”.

Eu até que gostava da rotina, do sempre igual, dos dias previsíveis. Mas me parece que, de uns anos pra cá, a coisa tem mudado. Tenho a impressão de que a gente vai ficando velho, vai olhando pra trás e percebendo que há um monte de vistas e experiências pelas quais passamos batido – ou nem passamos, de modo algum. Então a gente quer correr e abraçar as tortuosidades do cenário completo, a gente quer sair da estrada e correr pela floresta, em busca da resposta para entender a substância de que é feita a vida.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Eu faço parte da resistência: não frequento academias de ginástica/musculação nem assisto a Game of Thrones. Não falo disso como sendo bom ou ruim, falo apenas como quem constata um fato. E talvez, na realidade, eu esteja perdendo algo; aí, sim, seria algo ruim. 

Acompanhando a votação da denúncia contra o Temer na Câmara. Não como quem acredita que algo de bom possa advir dali, e sim como um reles espectador desesperançado da tragicomédia que se tornou a política brasileira. Eu - como costumo dizer - não acredito em nada. Não é uma desesperança gratuita. Ora, eu saio às ruas. Quem pega filas, quem vai à padaria, quem sai de carro nesse trânsito etc., enfim, qualquer um pode perceber que as pessoas estão loucas, a insanidade da falta de caráter, da falta de educação, da ausência de empatia. É difícil acreditar num futuro favorável; ao que me parece, a autofagia da sociedade se agravará mais e mais até o ponto em que não se tenha mais o que comer, ou melhor, até o ponto em que não se tenha mais quem canibalizar.

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Madredeus e Thomas Pynchon com o seu arco-íris gravitacional alimentam minha cachola nesta segunda de manhã.
Início da semana é sempre tenso, a perspectiva certa e um tanto sombria de cinco dias de trabalhos ininterruptos. Cinco vezes sete, trinta e cinco horas tentando tornar o mundo - que é basicamente composto de psicóticos e degenerados - um lugar um pouco melhor. Se as pessoas fossem boas e honradas não haveria necessidade de se judicializar e processar tanto. Talvez eu esteja sendo precipitado na minha análise, mas esse não é o lugar certo para ser apressado mesmo, um blog de mei'horinha que, inclusive, é lido apenas pelo próprio autor (e somente enquanto o escreve)?!

Variações Goldberg, de Bach, por Glenn Gould. Mistura explosiva de êxtase e melancolia! Obra que traduz o sentimento pelo mundo: ora nos arrebata de felicidade com seu variegado esplendor, ora nos põe em estado depressivo, e então nos recordamos, aterrorizados, da imundície da sociedade excludente em que vivemos.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

A liberdade em relação à opinião alheia começa com a liberdade em relação à própria opinião. Há um tirano em nós, com a voz imponente, que se acha invencível, intransponível. Esse ditador interno é filho do passado - forjado no fogo dos acontecimentos pretéritos - e pode nos ajudar muitas vezes (como realmente faz), mas o que acontece, o que não devemos esquecer, é que a vida é mutante e que situações novas e complexas exigem atitudes igualmente novas e complexas. Prepare-se: você precisará guilhotinar o seu ditador algumas vezes.

Estes poucos cômodos, este espaço é tudo de que preciso. O espaço-laço que me une a mim. Da porta de casa pra rua, pra fora, é um universo estranho, de pontas, arestas onde me arranho. Este meu espaço é tudo, macias, estas paredes de veludo. Volto pra casa, e me dou um abraço carinhoso, o ápice do dia, sempiterno gozo.

Por mais que tente fugir do poema, a minha escrita está sempre impregnada de rimas. Inconscientemente me encaminho para o carinho do verso. Mesmo que eu tome outro rumo, meu GPS interno sempre aponta para um norte poético. Como se as palavras só conseguissem ser retiradas do caldeirão fervilhante da possibilidade para estarem finalmente no papel se impulsionadas por uma associação musical, rítmica. Eis a minha limitação.
Por isso (penso agora) me parece tão difícil manter uma conversação comum, cotidiana. Minha cabeça precisa sintonizar a música interna para poder se expressar. E acaba que, no correr da vida, não há tempo para esse tipo de procedimento. As coisas devem ser ditas num espaço curto, as coisas devem ser feitas, não há tempo para a tentativa de beleza, para as palavras eleitas. Minha vida diária assim como a sua devem ser servidas sem tempero - e cruas.   

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Para cumprir a obrigação diária de escrever.
Sabe, eu nunca gostei das obrigações. Ainda mais em matéria de algo que deveria ser um exercício de libertação da alma, como é a escrita. Mas, sei lá, eu até consigo entender - agora - que realmente preciso forçar a inspiração. Caso contrário, daqui a pouco faço setenta anos sem ter escrito nada.

Em certo sentido a Língua Portuguesa é uma cadeia. Veja, inclusive para escrever a sentença anterior, acabei tendo de recorrer à pesquisa googleana para elucidar: escrevo "Língua Portuguesa" ou "língua portuguesa"? Descobri que o Novo Acordo Ortográfico (até onde a minha paciência de pesquisar me permitiu ir) deixa o uso de maiúsculas/minúsculas nesses casos ao gosto do escritor. Acabei, por fim, adotando a minha ideia inicial de como redigir a expressão (seja o que Deus quiser). É essa a cadeia de que eu falava; muitas vezes a gente fica tão entrelaçado no apuramento da correção da escrita que acaba se perdendo do objetivo principal, que é a ideia que se deve/quer passar. A forma é a vestimenta, o conteúdo é a pessoa: vale mais a roupa ou a pessoa que a veste?

A solidão vicia.
Sou o maior conterrâneo e contemporâneo de mim.
Meu ego se acaricia,
sessões de uma autofagia sem fim.  


quarta-feira, 26 de julho de 2017

A última hora. Realize e construa como se fosse a última hora. Mas o faça como se as suas realizações fossem ecoar no mundo depois da sua partida. Se assim não for, de que vale o empenho?!

Os homens e seus afazeres diários. O mesmo deslocamento. Os mesmos sorrisos, os mesmos cumprimentos, as mesmas indiferenças. Idas, voltas, deslocamentos pendulares sem fim. Somos esses bumerangues, sim, até o último dia. 

Por isso, edificar algo além do cotidiano é tão importante. Nos tira essa sensação esmagadora de correr na esteira, de não chegar a lugar algum. Esta é a grande virtude da Arte: retira o homem do trivial e o presenteia com o extraordinário.

Sentar durante, ao menos, uma hora, produzir o que quer que seja. Essa ideia me martela a cabeça. E ao mesmo tempo que me atrai, me causa medo. Atrai porque eu sei que somente assim me sentirei realmente completo; me causa medo porque eu tenho a sensação de que posso nunca conseguir escrever algo que me faça sentir completo.
Por outro lado, verifico: completos, somente os mortos. De modo que posso abandonar a ansiedade da completude e me conformar em escrever fragmentos impuros quaisquer. Dá pra pensar também que até os grandes um dia foram pequenos. Ou que é engatinhando que se começar a andar.