Meu
sangue negro que tento escoar na página em branco.
Às
sete o despertador do celular toca pela primeira vez. Depois, mais
uma vez, às sete e vinte. Quando está chovendo se torna bem difícil
levantar. Sem chuva também. O automatismo diário, acionar o
software interno que me conduz às atividades laborais me parece uma
tarefa deveras penosa, que engulo como quem engole um prato de tripas
putrefatas cruas. Ou melhor: como na infância, quando a mãe diz que
é para o seu bem tragar aquele suco de beterraba com cenoura ou
comer aquela porção de fígado que você meticulosamente separou no
canto do prato na esperança de que se desmaterializasse.
Mas
a gente se conforma, todo dia. E levanta, toma banho, escova os
dentes, gira a chave do carro e cai no mundo. Sabendo que está
exposto a todo tipo de desgosto, a toda sorte de pancada, a uma fatal
encruzilhada que poderá, enfim, nos arrebatar para o além. O fio da
vida é quase imaterial, de tão fino, se parte sem o menor aviso.
Chego
ao trabalho religiosamente às oito. A impontualidade é um dos
poucos defeitos que não fazem parte da minha personalidade. Apesar
de o caos reinar em grande parte das minhas tarefas, considero a
pontualidade uma virtude que deve ser cultivada com zelo: mostra
respeito com os outros, na medida em que exprime uma relação de
confiança com eles. Sou um tanto bagunçado apenas comigo, porque aí
só estou prejudicando a mim mesmo (quando de fato há algum
prejuízo).
(----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------)
E, olha, eu nem gosto de viajar exatamente, quero dizer, eu não
gosto do processo, do aeroporto, das algazarras, das pessoas sem
rosto, das vozes mecanicamente fabricadas; mas a verdade é que,
creio, ninguém gosta, exceto (como há gente pra tudo nesse planeta)
os masoquistas do turbulento convívio social. Anseio mesmo é pelo
novo horizonte e pelo que vem com ele, aquela esperança – ainda
que ilusória – de que a vida mudou; ilusória porque, como li num
lugar certa vez (mais ou menos assim), “não se pode fugir de si
mesmo”.
Eu
até que gostava da rotina, do sempre igual, dos dias previsíveis.
Mas me parece que, de uns anos pra cá, a coisa tem mudado. Tenho a
impressão de que a gente vai ficando velho, vai olhando pra trás e
percebendo que há um monte de vistas e experiências pelas quais
passamos batido – ou nem passamos, de modo algum. Então a gente
quer correr e abraçar as tortuosidades do cenário completo, a gente
quer sair da estrada e correr pela floresta, em busca da resposta
para entender a substância de que é feita a vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário