quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Meu sangue negro que tento escoar na página em branco.

Às sete o despertador do celular toca pela primeira vez. Depois, mais uma vez, às sete e vinte. Quando está chovendo se torna bem difícil levantar. Sem chuva também. O automatismo diário, acionar o software interno que me conduz às atividades laborais me parece uma tarefa deveras penosa, que engulo como quem engole um prato de tripas putrefatas cruas. Ou melhor: como na infância, quando a mãe diz que é para o seu bem tragar aquele suco de beterraba com cenoura ou comer aquela porção de fígado que você meticulosamente separou no canto do prato na esperança de que se desmaterializasse.
Mas a gente se conforma, todo dia. E levanta, toma banho, escova os dentes, gira a chave do carro e cai no mundo. Sabendo que está exposto a todo tipo de desgosto, a toda sorte de pancada, a uma fatal encruzilhada que poderá, enfim, nos arrebatar para o além. O fio da vida é quase imaterial, de tão fino, se parte sem o menor aviso.
Chego ao trabalho religiosamente às oito. A impontualidade é um dos poucos defeitos que não fazem parte da minha personalidade. Apesar de o caos reinar em grande parte das minhas tarefas, considero a pontualidade uma virtude que deve ser cultivada com zelo: mostra respeito com os outros, na medida em que exprime uma relação de confiança com eles. Sou um tanto bagunçado apenas comigo, porque aí só estou prejudicando a mim mesmo (quando de fato há algum prejuízo).
(----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------) E, olha, eu nem gosto de viajar exatamente, quero dizer, eu não gosto do processo, do aeroporto, das algazarras, das pessoas sem rosto, das vozes mecanicamente fabricadas; mas a verdade é que, creio, ninguém gosta, exceto (como há gente pra tudo nesse planeta) os masoquistas do turbulento convívio social. Anseio mesmo é pelo novo horizonte e pelo que vem com ele, aquela esperança – ainda que ilusória – de que a vida mudou; ilusória porque, como li num lugar certa vez (mais ou menos assim), “não se pode fugir de si mesmo”.

Eu até que gostava da rotina, do sempre igual, dos dias previsíveis. Mas me parece que, de uns anos pra cá, a coisa tem mudado. Tenho a impressão de que a gente vai ficando velho, vai olhando pra trás e percebendo que há um monte de vistas e experiências pelas quais passamos batido – ou nem passamos, de modo algum. Então a gente quer correr e abraçar as tortuosidades do cenário completo, a gente quer sair da estrada e correr pela floresta, em busca da resposta para entender a substância de que é feita a vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário